“Vamos tornar a veterinária uma das profissões mais essenciais nas próximas décadas.” O apelo de Pedro Fabrica, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), marcou o XIV Congresso da OMV dedicado à carreira médico-veterinária. Entre reflexões sobre o papel indispensável da classe na saúde pública, no bem-estar animal e na sustentabilidade, o evento lançou luz sobre desafios estruturais, desigualdades laborais e tendências globais, fazendo um retrato da profissão na Europa e em Portugal.
Durante a sessão de abertura do XIV Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), que decorreu nos dias 25 e 26 de outubro no Hotel Vila Galé, em Évora, o bastonário Pedro Fabrica destacou a importância deste evento como um marco para o futuro da carreira médico-veterinária em Portugal, sublinhando que representa “um passo importante para a ambição do plano evolutivo da profissão”, com vista à sua valorização.
O evento expôs o paradoxo que a medicina veterinária enfrenta: uma profissão indispensável para a saúde pública, bem-estar animal e sustentabilidade, mas que opera sob grande pressão. Apesar do crescimento em Portugal, acima da média europeia – com 0,59 veterinários por mil habitantes –, a satisfação dos profissionais continua alarmantemente baixa, com elevadas taxas de stress e burnout, refletindo condições laborais precárias, desigualdades e sobrecarga, o que evidencia que ainda há um longo caminho a percorrer. O congresso lançou luz sobre os desafios estruturais e as tendências globais da profissão na Europa e em Portugal.
Retrato da profissão na Europa e em Portugal
Alexandra Simões, médica veterinária e secretária-geral da OMV, apresentou uma análise demográfica da profissão na Europa e em Portugal, com base nos dados do VetSurvey, indicando que atualmente existem mais de 300 mil médicos veterinários no continente europeu – aumento de 6% face ao valor registado em 2018 –, com uma média de 0,42 por mil habitantes.
A profissão é considerada relativamente jovem na Europa, com uma idade média de 44 anos e predominantemente feminina, sendo que 65% são mulheres, um número que tem vindo a crescer e aumentou 7% face ao registo em 2018, pelo relatório da Federation of Veterinaries of Europe (FVE). Em Portugal, 67% dos médicos veterinários ativos são mulheres. Apesar deste aumento, o país enfrenta desafios relacionados à satisfação profissional: Portugal e Croácia apresentam os índices mais baixos da Europa.
Portugal excede a média europeia de 0,42 médicos veterinários por mil habitantes, contando com um registo de 0,59. Este valor demonstra um crescimento significativo desde 2011, em que a média nacional era de apenas 0,22. De acordo com a médica veterinária, “este aumento do número de médicos veterinários em diversos países da União Europeia já tinha sido previsto pela FVE, no relatório de 2011, e podemos assim aferir que Portugal tem vindo a acompanhar esta tendência de crescimento.
Relativamente à atividade laboral, no contexto europeu, dois terços dos médicos veterinários trabalham a tempo inteiro, 67% exercem no setor privado e mais de metade trabalham na área clínica, predominantemente em Centros de Atendimento Médico-Veterinários (CAMV), quer a título independente ou através de redes.
Além disso, o estudo revelou que 90% dos veterinários europeus enfrentam níveis elevados de stress, refletindo a necessidade urgente de ações que promovam bem-estar e qualidade de vida na profissão. A Suíça, a Dinamarca e a Finlândia são os países em que os médicos veterinários se encontram mais satisfeitos com a profissão. Por outro lado, Portugal e Croácia representam os países com maiores índices de insatisfação, estando assim abaixo da média europeia, que é de 5,9%.
Tendências e áreas de atuação nacionais
De acordo com os dados da OMV, destacados por Alexandra Simões no Congresso, em Portugal existem atualmente 9.686 médicos veterinários inscritos na Ordem. A responsável ressaltou a evolução do número total de inscritos desde a génese da associação profissional. “Após o ano de 2000 notou-se uma tendência crescente dos médicos veterinários inscritos, atingindo o seu pico nos anos de 2016 e 2020, com um número de 1703 inscrições. Nos anos de 2021 a 2024, podemos verificar que há cerca de 1400 inscrições, ou seja, uma tendência para a atenuação no crescimento de médicos veterinários inscritos. De 2021 a 2023 denotou-se também um número médio de inscrições anuais de 370”, sublinha Alexandra Simões.
Dos 9686 inscritos, 77,56% estão ativos e 15,36% estão suspensos – por ausência no estrangeiro. Os principais países de destino são o Reino Unido, os Países Baixos, a França, A Suécia e a Espanha.
Entre os profissionais ativos, a maioria (64,75%) trabalha com animais de companhia, enquanto apenas 10,65% se dedicam a espécies pecuárias. Outras áreas incluem a função pública (9,59%), ensino (3,05%) e segurança alimentar (2,35%). Por outro lado, campos como investigação e cuidados a animais exóticos são menos representativos, com menos de 2% do total.
Um dos aspetos mais marcantes da medicina veterinária em Portugal é a sua feminização. Atualmente, 67% dos veterinários ativos são mulheres. Este cenário contrasta com os primeiros anos da Ordem, nos quais os homens eram maioritários. A partir de 2000, o número de mulheres inscritas cresceu significativamente, invertendo essa tendência inicial.
A distribuição geográfica dos profissionais também apresenta disparidades. Lisboa e Porto concentram a maior parte dos médicos veterinários: 1.999 em Lisboa e 1.222 no Porto. Por outro lado, distritos como Bragança e Braga registam números bem mais baixos, em parte devido à menor quantidade de Centros de Atendimento Médico-Veterinários (CAMV). Nas regiões autónomas, os Açores têm o dobro de profissionais em relação à Madeira, refletindo diferenças locais na procura por serviços veterinários.