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Mastocitoma cutâneo no cão: Dicas para melhor compreender, diagnosticar e tratar!

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Os mastocitomas são um dos tumores cutâneos mais comuns em cães e são conhecidos pela sua imprevisibilidade biológica. Variando de benignos a altamente agressivos, representam cerca de 20% dos tumores de pele na espécie canina, sendo uma preocupação constante na prática veterinária. Podem apresentar-se de diferentes formas e ser facilmente confundidos com outras lesões.

Neste artigo abordarei os conceitos básicos para melhor compreender, diagnosticar e tratar esta neoplasia em cães que constitui cerca de 13% dos casos de cancro em cães em Portugal.

 

Este artigo fornece uma visão abrangente e atualizada sobre os mastocitomas em cães, fornecendo um guia valioso para veterinários generalistas. Não é objetivo deste artigo realizar uma revisão sistemática nem aprofundada sobre o tema.

Incidência e fatores de risco

 

Estima-se que os mastocitomas afetem principalmente cães de meia-idade a idosos, com maior prevalência entre os 7 e 9 anos de idade. Diversos estudos identificam que as raças com maior risco para o desenvolvimento de mastocitomas incluem o Boxer, o Bulldog Inglês, o Golden Retriever, o Labrador Retriever, o Beagle e o Shar Pei (particularmente associado a formas mais agressivas).

A predisposição genética desempenha um papel importante, assim como fatores ambientais, embora a associação precisa com carcinógenos externos, nomeadamente a dermatite atópica, ainda seja um campo de investigação.

 

Classificação

Os mastocitomas podem ser classificados de acordo com a sua localização em:

  1. Cutâneos: A forma mais comum, correspondendo a cerca de 60-70% dos casos. Estes tumores podem surgir em qualquer parte da pele, mas são frequentemente encontrados no tronco, membros, cabeça e região perineal;
  2. Subcutâneos: Embora menos frequentes, os mastocitomas subcutâneos têm um comportamento biológico geralmente mais benigno;
  3. Viscerais: Menos frequentes, mas normalmente mais agressivos biologicamente.
 

Existem dois esquemas de classificação histológica, baseados na morfologia e diferenciação celular, atipia celular e número de mitoses em graus. Segundo o primeiro esquema descrito por Patnaik, existem três graus:

– Grau I: Tumores bem diferenciados com comportamento benigno;

– Grau II: Moderadamente diferenciados, apresentam comportamento variável;

– Grau III: Tumores pouco diferenciados, com alto potencial metastático e comportamento agressivo.

Mais recentemente, o sistema de dois níveis proposto por Kiupel tem sido amplamente utilizado, simplificando a classificação dos mastocitomas em baixo e alto grau. Este sistema consegue criar de forma mais eficaz dois patamares prognósticos, diminuindo a ambiguidade existente com os mastocitomas de grau II de Paitnaik.

Segundo as orientações internacionais os patologistas devem incluir sempre ambos os esquemas de classificação nos seus relatórios.

Diagnóstico e estadiamento

O diagnóstico baseia-se inicialmente na realização de punção aspirativa por agulha fina (PAAF). A presença de células redondas contendo grânulos intra-citoplasmaticos azurófilos ricos em histamina é uma característica distintiva. Contudo, existem outros tumores de células redondas que contêm grânulos citoplasmáticos e que podem ser confundidos com o mastocitoma, ou ainda, no caso dos mastócitomas indiferenciados, esta granulação perde-se e torna-se mais difícil distinguir o tipo celular. Assim, a realização de biópsia incisional ou excisional com análise histopatológica permanece o gold standard para confirmação do diagnóstico e avaliação do grau tumoral, assim como de alguns fatores prognósticos, como o padrão de expressão de c-kit ou o índice de Ki67.

O estadiamento é crucial para determinar a extensão da doença e este deve incluir:

  1. Exame físico completo com palpação dos linfonodos regionais;
  2. PAAF dos linfonodos loco-regionais adjacentes para detetar metástases;
  3. Hemograma completo, bioquímicas séricas e análise de urina para avaliação de doença sistêmica;
  4. Ecografia abdominal para avaliar a disseminação visceral;
  5. Punção aspirativa do baço e fígado ou gânglios mesentéricos caso haja suspeita de metástases e o grau do mastocitoma seja alto.

A radiografia torácica não é normalmente incluída no processo de estadiamento pois o padrão metastático raramente inclui os pulmões. Contudo, tumores nos membros anteriores podem metastizar para os linfonodos mediastínicos ou esternais e estes devem ser avaliados eco ou radiologicamente.

Abordagem terapêutica

O tratamento do mastocitoma varia de acordo com a localização, grau e estadio do tumor. As abordagens disponíveis incluem na grande maioria dos casos cirurgia, quimioterapia antes ou depois da cirurgia, designada de neoadjuvante e adjuvante, respetivamente, radioterapia e terapias direcionadas.

Abordagem Cirúrgica

A cirurgia é o tratamento de eleição para mastocitomas cutâneos e subcutâneos. O objetivo deve ser sempre a remoção completa com margens cirúrgicas amplas (geralmente de 2 a 3 cm de margem e um plano fascial de profundidade). Para mastocitomas de grau I e II, a excisão cirúrgica com margens adequadas pode ser curativa. Para tumores de grau III/alto grau, ou quando não é possível garantir margens limpas, a cirurgia pode ser combinada com outras modalidades terapêuticas, como a eletroquimioterapia intra-cirurgica, a radioterapia ou a quimioterapia adjuvante.

Devem ser igualmente removidos os linfonodos afetados e enviados para histologia. Está descrita uma classificação para o padrão metastático linfático, conhecido como sistema HN e que tem valor prognóstico. Além disso, a remoção dos linfonodos drenantes contaminados tem efeito positivo no prognóstico.

Quimioterapia

A quimioterapia é indicada em casos de mastocitomas de alto grau, tumores incompletamente removidos, ou na presença de metástases. Os protocolos quimioterápicos comummente utilizados incluem os seguintes fármacos:

Vinblastina e Prednisolona; Lomustina e Prednisolona; Vinblastina, com Lomustina e Prednisolona ou Clorambucilo com Prednisolona.

A escolha do protocolo a utilizar deve ter em conta as características e score clínico do animal, a agressividade biológica do tumor e o conhecimento e experiência com os fármacos utilizados e efeitos secundários/complicações associadas.

No caso da excisão incompleta de mastocitomas de baixo grau, existe evidência de que a taxa de recidiva é baixa e a resposta à quimioterapia neste tipo de mastocitomas é fraca. A utilização de terapia adjuvante deverá ter em conta o risco/beneficio e o conhecimento da biologia tumoral.

Cada protocolo pode ser utilizado isoladamente ou em combinação, havendo assim diferentes graus de resposta e toxicidade.

Está demonstrado que os animais com mastocitoma têm frequentemente ulceração gastrointestinal e níveis altos de aminas vasoativas em circulação. Deve ser contemplada igualmente terapêutica anti-histamínica anti-recetores H1 e H2.

Nos últimos anos, a introdução de moléculas inibidoras de recetores de tirosina-quinase como o Toceranib (Palladia®) e o Masitinib (Masivet®) na veterinária, veio alargar o espectro terapêutico disponível para os mastocitomas.

O Palladia® é um inibidor inespecífico do kinoma inibindo várias vias de sinalização celulares que promovem o crescimento, sobrevivência e metastização tumorais.

O Masitinib tem alguma especificidade para tumores com mutação no recetor c-KIT, embora outras vias de sinalização sejam igualmente bloqueadas.

Os inibidores de tirosina quinase não devem ser utilizados em primeira linha terapêutica, nem em casos de mastocitomas de baixo grau. Além disso, o tipo de resposta a este tipo de fármaco, embora superior a 50% dos casos nos tumores agressivos, é variável e não imediata e, em alguns casos, pode ser necessário ajustar as doses até obter efeito terapêutico.

Podem ser utilizados em terapia única ou no caso do Toceranib combinados com Vinblastina.

Terapêutica não cirúrgica

O Tiglato de Tigilanol ( Stelfonta®) é um medicamento veterinário aprovado para tratar mastocitomas cutâneos não metastáticos. É uma alternativa à cirurgia em tumores com menos de 10 cm3. Pode ser usado em qualquer ponto cutâneo e no caso dos tumores subcutâneos distais às articulações úmero-radial e tibio-társica. Está reportada uma remissão completa em 75% dos casos com uma única administração.

Pode ser uma alternativa muito interessante para animais sem indicação anestésica ou com tutores que não desejem cirurgia. Provoca necrose tumoral e a cicatrização por segunda intenção dá-se normalmente entre duas e quatro semanas pós-tratamento.

A eletroquimioterapia é outro método não cirúrgico que pode ser utilizado com uma taxa de sucesso de 100% em tumores com volume inferior a 2 cm3. Pode ainda ser utilizada de forma intra-cirúrgica para tratar margens que antecipadamente sabemos que vão ser curtas ou contaminadas. Requer uma anestesia geral de curta duração e associada a poucos ou raros efeitos secundários.

Prognóstico

Os fatores de prognóstico descritos são múltiplos e incluem tanto características do próprio tumor quanto do animal. Estes fatores ajudam a prever o comportamento biológico do mastocitoma e a orientar no tratamento mais adequado. Abaixo estão os principais fatores de prognóstico descritos:

  1. Grau Histológico

O grau histológico é o fator prognóstico mais importante para os mastocitomas cutâneos. Baseado nos sistemas de classificação como o de Patnaik e Kiupel, o grau do tumor está diretamente relacionado à agressividade e ao risco de recorrência e metástases;

  1. Índice Mitótico

O índice mitótico, ou a taxa de divisão celular, é outro fator importante para avaliar a agressividade biológica do mastocitoma. Um índice mitótico elevado (geralmente acima de 5 mitoses por 10 campos de alta ampliação) está associado a um comportamento mais agressivo do tumor e pior prognóstico;

  1. Tamanho do Tumor

Tumores com mais de 3 cm de diâmetro estão associados a uma maior taxa de metastização e a um prognóstico mais reservado;

  1. Localização Anatómica

A localização do mastocitoma também tem influência prognóstica, sobretudo devido ao facto de que em determinadas zonas a cirurgia poderá não ser possível;

  1. Margens Cirúrgicas

A excisão completa é um dos principais fatores que influenciam o prognóstico. Margens cirúrgicas adequadas (geralmente 2-3 cm ao redor do tumor) estão associadas a um risco reduzido de recidiva local. Tumores com margens comprometidas têm uma maior taxa de recidiva local, exigindo ou nova cirurgia ou terapêutica adjuvante;

  1. Infiltração Linfática

A presença de metástases nodais está associada a pior prognóstico. A extensão da doença para os linfonodos regionais indica maior agressividade e risco de disseminação para outros órgãos;

  1. Mutação no gene do recetor c-KIT

A mutação c-KIT é observada em aproximadamente 30% dos mastocitomas caninos. Tumores com essa mutação tendem a ser mais agressivos e estão associados a um pior prognóstico. No entanto, essas mutações também tornam o tumor mais suscetível a terapias com inibidores de tirosinaquinase, como o Toceranib ou Masitinib, o que pode melhorar o prognóstico em casos avançados;

  1. Comportamento Clínico

O comportamento clínico do tumor (taxa de crescimento, ulceração e invasão) também é relevante para o prognóstico. Tumores de crescimento rápido, ulcerados ou com infiltração profunda nos tecidos subjacentes geralmente têm um prognóstico mais reservado do que aqueles com crescimento lento e comportamento mais benigno;

  1. Recorrência Local

Tumores que recidivam após a excisão cirúrgica inicial são mais difíceis de controlar e têm um prognóstico pior, especialmente se as recidivas forem múltiplas ou ocorrerem rapidamente após a cirurgia inicial;

  1. Sinais Sistémicos (substadio b)

Alguns cães com mastocitomas podem apresentar sinais sistémicos como vómitos, diarreia, letargia e ulceração gastrointestinal, causados pela libertação excessiva de histamina pelos mastócitos tumorais. A presença destes sinais sistémicos pode comprometer a administração atempada de terapêutica adequada ou aumentar o risco de efeitos secundários e complicações, consequentemente, piorando o prognóstico;

  1. Índice Ki-67

O Ki-67 é uma proteína nuclear expressa exclusivamente nas células em divisão e, portanto, é usado para avaliar a taxa de proliferação tumoral. Nos mastocitomas caninos, a quantificação da expressão de Ki-67 tem mostrado correlação com o comportamento biológico e o prognóstico do tumor. O cut-off de Ki-67 para mastocitomas caninos, ou seja, o valor que separa tumores com comportamento biológico mais agressivo daqueles com melhor prognóstico, pode variar entre estudos. No entanto, há um consenso de que níveis elevados de Ki-67 estão associados a um comportamento mais agressivo e uma pior sobrevida A variação dos cut-offs entre os estudos reflete as diferenças nas metodologias de avaliação (número de campos analisados, uso de anticorpos específicos, etc.). Na prática, tumores com Ki-67 abaixo de 10% têm tendência a um comportamento mais indolente e prognóstico mais favorável;

  1. Expressão celular de c-KIT

O estudo de expressão do recetor c-kit através de imunohistoquímica está relacionado com o prognóstico. Assim o padrão pode ser do tipo I: membranar, tipo II: citoplasmático focal e tipo III: citoplasmático difuso, aumentando a agressividade do tumor à medida que o tipo de expressão aumenta.

Conclusão

O mastocitoma cutâneo no cão é uma doença oncológica complexa que exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo diagnóstico precoce, estadiamento preciso e uma combinação de terapias adaptadas a cada caso. A introdução de terapias direcionadas como os TKIs oferece novas esperanças, especialmente para casos mais agressivos e metastáticos. Embora a cirurgia permaneça o pilar do tratamento, a quimioterapia, as terapias-alvo e as terapias locais estão a abrir novos horizontes no maneio clínico dos pacientes.

Referências: O autor disponibiliza a pedido as referências usadas neste artigo

*Médico veterinário, oncovet@gmail.com

**Artigo de opinião publicado na edição 186, de outubro, da VETERINÁRIA ATUAL.

 

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